quarta-feira, 21 de julho de 2010

E se voltasse a viver, tomaria as mesmas decisões ?


E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse:
Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes.Não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.
A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!
Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim?

Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías:
Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!

Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa:
Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?
Esta pergunta pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?
¹


Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati:não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo – todo idealismo é mendacidade diante do necessário –, mas amá-lo...²

Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser.

Tudo morre, tudo refloresce, eternamente transcorre o ano do ser. Tudo se desfaz, tudo é refeito;
eternamente fiel a si mesmo permanece o anel eternamente constróí-se a mesma casa do ser.
Tudo se separa, tudo volta a se encontrar;do ser.
Em cada instante começa o ser; em torno de todo o "aqui " rola a bola "acolá ".
O meio está em toda parte. Curvo é o caminho da eternidade. ³


¹
A gaia ciência, aforismo 341.
²
Ecce Homo, II, aforismo 10.
³
Assim falou Zaratustra, "0 convalescente", § 2

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